Sempre comigo


Sem legenda. Só amor. E saudades...


É assim que imagino meu Samuel.

É assim que imagino meu gigante, no colo de Jesus. Entre tantas outras crianças que não são deste mundo.
Eu nunca soube por quê o meu menino me deixou.
Samuel me fez conhecer outras mães sem nome, como eu. Por causa dele, eu tive contato com tantas outras Patrícias e Flávios. Sim. Porque nessas horas, onde a dor é igual, nos tornamos iguais. O nome é o que menos importa.
Nestes 3 anos ja escrevi muito. Li muito. Falei muito. Ouvi nuita coisa que não quis e respondi do jeito que eu quis. (É pra isso que o cérebro fica perto da boca).
Aprendi sobre luto, sobre solidariedade, empatia.
Aprendi também sobre crueldade.
Descobri o quão despreparada para enfrentar a morte a humanidade está, embora esta seja a unica certeza que temos na vida.
Samuel me ensinou que um abraço, mesmo de quem ta longe, vale mais que qualquer palavra.
Por causa dele, me tornei uma mãe ilegítima. Era mãe por direito. Mas não de fato. Perdi meu aposto "Mãe de Samuel" e ganhei verbos no passado: "aquela que era mãe", "a que estava gestante". Tinha uma cicatriz no corpo, tinha leite jorrando. Mas, o colo vazio.
Aprendi também a conversar mais com Deus. Mesmo que sentindo raiva dele. Eu falava mais com Ele, nem que fosse para perguntar: "por que eu?" , ou "por que depois de tanto tempo?"
Com o passar dos anos, minhas lamentações viraram orações. E essas orações é o que tem me sustentado todo este tempo.
Não é facil viver com o vazio que ele deixou.
Não é facil ver o rostinho dele, refletido no da irmãzinha.
Não é facil olhar a cara de pena das pessoas, quando digo que tenho 2 filhos.
Não é facil ver o menosprezo delas, quando digo que perdi um filho "que nem teve convívio ".
Não é facil ouvir "você é muito mal agradecida. Deus ja lhe deu uma filha". Ou "tambem tive um aborto, mas esqueci".
Uma vez um padre me disse que era uma honra ser a mãe de um anjo de Deus. Que se Ele me escolheu, é porque sabia da minha capacidade e jamais daria uma grande batalha a um soldado fraco.
Isso nunca me consolou.
Porém, sigo a minha fé, que diz que um dia estaremos todos juntos, num lugar especial, onde não há tristeza. E onde nunca mais precisaremos nos despedir. E é assim, como nesta foto, que imagino meu filho
Até lá é saudade...saudade e saudade...

Pode ser coincidência ou um presente dos céus.

No último domingo, antes de irmos à missa, paramos em uma padaria, para tomar café da manhã.
Ao entrarmos no salão da padaria, Flávio se dirigiu a uma mesa, com Sarah e eu fui até o balcão, fazer nosso pedido.
De longe, fiquei observando onde eles foram se sentar. Uma mesa próxima a outra que tinha um menino entre 2 e 3 anos e sua mãe, tomando café da manhã.
O menino tinha carrinhos de brinquedo e Sarah estava bem interessada nos brinquedos. A mãe do menino disse:
- Empresta um pra ela, filho?
O menino, prontamente, deu um dos seus carrinhos à Sarah e ficou interagindo com ela.
Quando cheguei para sentar à mesa, a mãe do menino perguntou à Sarah:
- Como é seu nome, neném?
Flávio perguntou:
- Como é seu nome, filha, diga?
- Sarah.
A mãe do menino disse: viu filho, o nome dela é com S, que nem o seu.
Flávio e eu nos olhamos e perguntamos ao mesmo tempo, como se soubéssemos da resposta:
- Qual o nome dele?
- Samuel.
...
(dois suspiros, uníssono)
Respondi:
- Seu nome é muito lindo. É o nome do meu filho.
A mãe do menino olhou, com cara de quem queria saber o porquê do meu Samuel não estar ali, e eu completei:
- Ele foi pro céu.
- Ah, sinto muito. Também perdi um filho.
Eu não quis mais prolongar a conversa e começamos a comer.
Eu senti uma vontade absurda de abraçar aquele menino, de colocar ele no braço, pra ter uma noção do espaço que ele ocupa, de quanto pesa, do cheirinho que ele tem. Mas, guardei minha vontade, pois em tempos de pedofilia, eu poderia ser mal interpretada e Deus me livre alguém pensar isso de mim.
Eu não sei porque essas coisas acontecem. Mas quando elas acontecem, eu sinto saudades. É possível sentir saudades do que não se teve, do que não se viveu, da história que nos foi tomada. Eu deveria sentir alegria e achar que era Deus querendo falar comigo e dizer que tá cuidando bem do meu menino.
Mas, racionalmente, eu não consigo.