"Vive a tua tristeza, tateia-a, molha-a com lágrima; envolve-a em gritos ou em silêncio, copia-a em cadernos, anota-a no teu corpo, nos poros da tua pele.
Pois só se não te defenderes, fugirá, por momentos,
para outro lugar que não o centro da tua íntima dor.
E para saboreares a tua tristeza vou recomendar-te também um prato melancólico:
couve-flor em brumas.
Trata-se de cozer em vapor de água essa flor branca, triste e consistente.
Devagar, com aquele odor que tem o próprio hálito que a boca exala nas lamentações, ela vai cozendo até amaciar.
E envolta em bruma, no seu vapor fumegante, põe-lhe azeite e alho e alguma pimenta, e salga-a com lágrimas que sejam tuas.
Então saboreia-a devagarinho, mordendo-a do garfo, e chora mais, chora ainda, que aquela flor acabará por ir chupando a tua melancolia sem te deixar seca, sem te deixar tranquila, sem te roubar a única coisa que é tua naquele momento, a única coisa que já ninguém te poderá tirar, a tua tristeza; mas com a sensação de, ao de teres partilhado com essa flor imperecível, essa flor absurda, pré-histórica, essa flor que os noivos nunca pedem nas floristas, essa flor de couve que ninguém põe nas jarras, com essa anomalia, essa tristeza florescida, a tua própria tristeza de couve-flor, de planta triste e melancólica.”
(ABAD, Hector/ Livro de receitas para mulheres tristes )
Saudades sempre do meu grande amor, Samuel.